Entretenimento Cultura e gênero

Mulheres ainda são poucas na direção de filmes no Brasil, aponta estudo

Produções com maior bilheteria seguem sendo comandadas por homens, enquanto cineastas mulheres enfrentam barreiras estruturais no audiovisual

09/04/2025 07h34
Por: Lorena Lázaro
Foto: Divulgação
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Apesar dos avanços nas políticas públicas de fomento à cultura e do aumento na participação feminina no setor audiovisual, a direção de filmes de grande alcance no Brasil continua majoritariamente nas mãos de homens. Um levantamento do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), com dados de 1995 a 2022, revela que nenhuma mulher dirigiu filmes voltados ao grande público em 2022. A análise é reforçada por dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA), que apontam que apenas 20,9% dos filmes nacionais de maior público e renda, de 2019 a 2023, tiveram direção feminina.

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Em meio ao mês de março — quando se celebra o Dia Internacional da Mulher — e à realização do Oscar, um dos eventos mais importantes do cinema mundial, o contraste entre o brilho das atrizes no tapete vermelho e a baixa presença de mulheres na direção se torna ainda mais evidente.

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A coordenadora do Cineclube da Luluzinha, produtora e atriz Ana Azevedo, avalia que ainda é raro ver mulheres ocupando os cargos centrais das produções, como direção, roteiro e produção executiva. “Quando se pensa em direção, ainda se imagina a figura do homem branco, de cabelos grisalhos. Isso revela como o imaginário coletivo é moldado por um sistema estruturalmente machista”, afirma.

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Para Azevedo, essa hegemonia masculina impede a pluralidade de narrativas e sustenta a produção de filmes com enredos que reproduzem padrões machistas, racistas e misóginos. “Sem a presença feminina, as histórias continuam sendo contadas sob uma única ótica”, avalia.

 

Cenário global repete desigualdade de gênero

A disparidade na direção cinematográfica não é exclusividade brasileira. Nos Estados Unidos, uma pesquisa do Centro de Estudos das Mulheres na Televisão e no Cinema da Universidade Estadual de San Diego mostra que, entre os 250 filmes de maior bilheteria em 2023, apenas 16% foram dirigidos por mulheres — percentual inferior aos 18% registrados no ano anterior. A principal exceção foi o filme “Barbie”, de Greta Gerwig, que arrecadou US$ 1,44 bilhão, tornando-se a maior bilheteria do ano.

 

A fotógrafa e documentarista Amanda Costa, cofundadora do Coletivo Diaspórica, observa que a exclusão feminina na direção vem desde os primórdios do cinema. Ela cita a cineasta Alice Guy-Blaché, que dirigia filmes de ficção ainda no século XIX, mas permanece desconhecida frente à fama dos irmãos Lumière. “A história do cinema sempre exaltou os homens, apagando as mulheres que também contribuíram com o início dessa arte”, afirma.

 

Amanda reforça que os estereótipos de gênero ainda associam os papéis de liderança, como direção e produção, ao masculino. “Apesar de termos mais mulheres no audiovisual, os cargos de decisão continuam sendo ocupados por homens”, diz.

 

Caminhos possíveis: coletividade e políticas públicas

A técnica de som e sound designer Cindy Faria defende que editais afirmativos são fundamentais para ampliar a participação feminina na cadeia produtiva do cinema. “Esses editais geram oportunidades de trabalho e criam mais espaço para que as obras sejam produzidas e exibidas”, pontua.

 

Ela também alerta para a necessidade de políticas antiassédio nos sets de filmagem e destaca que a representatividade deve ir além do conteúdo das produções. “Não basta termos personagens femininas. É preciso garantir que as mulheres estejam atrás das câmeras, construindo as histórias”, afirma.

 

O censo do IBGE de 2022 aponta que as mulheres representam 51,5% da população brasileira. No entanto, essa maioria não se reflete nas salas de cinema, onde apenas cerca de 1 em cada 5 filmes de grande alcance tem uma mulher na direção. Para mudar esse cenário, Ana Azevedo destaca a importância das leis de incentivo à cultura, como a Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc. “São esses mecanismos que permitem montar equipes com maior diversidade e construir ambientes de trabalho mais justos e respeitosos”, afirma.

 

A produção audiovisual “Diaspóricas” é exemplo de como políticas públicas podem fortalecer a presença de mulheres no setor. Com uma equipe de 25 profissionais, sendo 23 mulheres negras, o projeto busca preencher lacunas estruturais do mercado e promover geração de renda entre produtoras e empreendedoras culturais.

 

Recorte racial agrava a exclusão

A sub-representação feminina na direção de filmes é ainda mais grave quando se considera o recorte racial. Segundo o Gemaa, apenas dois filmes com ampla distribuição foram dirigidos por homens negros em 2022: Medida Provisória, de Lázaro Ramos, e Marte Um, de Gabriel Martins — este último, financiado por um edital afirmativo.

 

Para Amanda Costa, a ausência de mulheres negras na direção se deve ao racismo estrutural que marca o setor. “A indústria ainda privilegia a visão do homem branco e exclui narrativas que fogem desse padrão. Isso limita o conteúdo produzido e perpetua desigualdades históricas”, afirma.

 

Cindy Faria também aponta que, diante dessa realidade, é fundamental que as mulheres negras aprendam a contar suas próprias histórias. “Narrar a si mesma é um ato de resistência. Quando fazemos isso juntas, com apoio mútuo, conseguimos construir caminhos mais sólidos para ocuparmos os espaços que nos foram negados”, conclui.

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